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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poder Constituído x Poder Paralelo


Falou-se muito nas últimas semanas a respeito da invasão do complexo de favelas do Alemão. Foi instaurada uma verdadeira operação cinematográfica para realizar a primeira parte da chamada invasão. Vimos blindados das Forças Armadas e da Polícia Militar realizando incursões pelas vielas da Vila Cruzeiro. Vimos helicópteros de redes de TV fazendo a cobertura dos acontecimentos.

Todos os moradores do Rio de Janeiro sabem, já faz alguns anos, que o Estado jamais se importou com eles. Como os moradores viviam, como sobreviviam e principalmente a que precisavam se sujeitar para poder continuar vivendo em locais como aquele. Há muitos anos ninguém se importa com os moradores das comunidades mais carentes. Faziam uma maquiagem no local, principalmente próximo à época das eleições e depois voltava tudo ao que era. Como qualquer morador de um lugar, isolado ou central, todos precisamos de Hospitais, Pronto Socorro, agências bancárias e outras facilidades nas proximidades de casa. Não há interesse do estado em implantar serviços deste tipo em locais sabidamente dominados por facções criminosas. Nem por isso a necessidade deixa de existir. Com a ausência do estado surge o poder paralelo.

Não é a primeira vez e nem será a última onde, quando o poder constituído se ausenta, alguém toma conta do território. Vimos exemplos disso na Sérvia com as milícias dizimando populações inteiras por serem de outra etnia. Também sabemos de fatos no Iraque onde o falecido ditador Saddam promoveu uma limpeza étnica.

As milícias compostas de policiais ou ex-policiais e os grupos de traficantes, no Brasil, não são e nem se portam diferentemente das milícias espalhadas pelo mundo. Tenham a certeza que a população que mora nas diferentes comunidades espalhadas pelo nosso país, precisam se adaptar e se subjugar ao poder maior destes grupos. Não fosse assim, porque a “lei do silêncio” impera?

Vejamos alguns exemplos do que o poder paralelo foi capaz de realizar, mesmo contra os desígnios e a “força” do poder constituído. 

Em uma comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro, há alguns anos atrás, foi implantada uma escola. A construção, o mobiliário e os professores foram arcados pelos traficantes. Alguns se perguntarão: “Mas porque uma escola?”. A comunidade sabe que sem um mínimo de instrução, seus filhos, sobrinhos e filhos de amigos, jamais conseguirão sair da linha de pobreza que assola este tipo de pessoas. Os próprios traficantes não querem que seus filhos sejam analfabetos e, portanto marginalizados pela sociedade. Entenda-se aqui o conceito de marginalizados como sendo aqueles que vivem à margem, na borda, no limite, da sociedade constituída.

Não muito tempo mais tarde, nesta mesma comunidade, foi inaugurada uma agência bancária. Novamente o poder paralelo se fez presente. As pessoas que lá moravam, à época, precisavam de um lugar para depositar seus ganhos. Lembre-se que numa comunidade as pessoas muitas vezes sobrevivem de subempregos, sem carteira assinada. Mas era também uma necessidade dos próprios traficantes. Onde eles iriam depositar o dinheiro ganho com a venda de entorpecentes? Foi-se a época de guardar dinheiro sob o colchão.

Finalmente, e já sendo cobrados por isso, os traficantes construíram um Pronto Socorro. O mais perto da comunidade ficava a mais de 15 minutos de carro. Nem todos tinham carro naquela época. Em uma emergência minutos fazem uma grande diferença. Desta forma, os moradores podiam levar seus filhos para vacinar, fazer curativos e até tirar dúvidas com um médico a respeito de alguma dor súbita. Mas não nos esqueçamos de que, também os benfeitores, iriam se beneficiar deste PS. São eles que acabam enfrentando grupos rivais, milícias e, de vez em quando, as forças policias. Portanto, nada mais justo que ter perto de casa um médico e um enfermeiro para dar o primeiro atendimento.

Agora deixo a vocês a pergunta: Será que você, morador de uma comunidade, iria denunciar os traficantes simplesmente porque a polícia ou o poder constituído pediram? Lembre-se que amanhã é você que vai continuar morando lá. Lembre-se também que não será para sempre a “invasão” da comunidade, visando garantir paz.

Resumindo, podemos deduzir que o Estado com toda sua grandeza e com todos os impostos arrecadados ainda é bem menor e mais acanhado que o poder paralelo.

Esta situação descrita acima é verdadeira. Talvez alguns fatos tenham sido omitidos de propósito, mas sem deturpar o sentido do relato.

Antes de encerrar o relato de hoje, queria apenas lembrar que o que acontece ali no outro estado também acontece aqui, no nosso estado. As verdades e as lições que podemos tirar daí deveriam servir de marco para que ações mais efetivas e pró-ativas fossem realizadas pelos poderes constituídos. Retomar um território custa muito mais que apenas garantir que ele permaneça sob os olhares e as ações dos homens de bem.

Até o próximo!

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